Pressão política leva ao cancelamento do Festival da Consciência Negra na Praça do Caputera
Negativa da Prefeitura de Cotia interrompe evento com Exaltasamba; moradores acusam interferência de lideranças regionais
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por
Gabriel Binho
Caputera esperava cultura, festa e reprodução de memórias negras. Recebeu silêncio e cancelamento. A poucos dias do evento, a Prefeitura de Cotia negou autorização para uso da Praça do Caputera e o Festival da Consciência Negra — que teria apresentações locais, atrações para crianças e o show principal do grupo Exaltasamba — foi oficialmente cancelado.
Uma festa que não vai acontecer
O festival, organizado pela associação de moradores do Caputera em parceria com coletivos culturais locais, estava marcado para domingo (23/11). Moradores e organizadores relatavam expectativa crescente: brinquedos e atividades infantis, barracas de alimentação comunitária e apresentações de grupos artísticos do bairro. Sem a autorização para montagem da estrutura pública, a logística tornou-se inviável e o evento foi suspenso.
Fontes apontam articulação política
Fontes internas à administração municipal ouvidas pela reportagem afirmam que a decisão não se restringiu a critérios técnicos. Segundo essas fontes, o cancelamento teria sido influenciado por pressões políticas atribuídas ao ex-prefeito de Embu das Artes, Ney Santos, e ao atual prefeito local, Hugo Prado. As fontes dizem que ambos teriam atuado para impedir a realização do festival.
Em relatos ouvidos pela reportagem, Ney Santos é descrito como uma liderança regional de forte interlocução entre prefeituras vizinhas, capaz de articular interesses pós-eleitorais e influenciar decisões administrativas. A atuação dele, dizem aliados e adversários, ultrapassa os limites de Embu das Artes e reverbera em municípios próximos.
CONISUD e reuniões pós-eleição
Logo após as eleições, prefeitos eleitos da região se reuniram no âmbito do CONISUD (Consórcio Intermunicipal da Região Sudoeste da Grande São Paulo). Em suas redes sociais, o prefeito de Cotia, Welington Formiga, registrou o encontro e publicou:
“Neste momento nos reunimos com os prefeitos eleitos que representam as cidades do CONISUD. Debatemos hoje a importância do Governo do Estado continuar com os exames em nossa região, também a importância das ampliações dos nossos Hospitais Regionais.”
Oficialmente, o encontro tratou de temas de saúde e infraestrutura regional. No entanto, interlocutores políticos afirmam que reuniões dessa natureza também são palco de articulações mais amplas — que podem tocar, por exemplo, na alocação de recursos, em calendários de eventos e nas prioridades culturais das administrações.
Moradores reagem: o vazio das periferias
Para quem vive no Caputera e na Ressaca, o festival representava raras oportunidades de lazer e acesso à cultura no próprio bairro. “O Caputera e a Ressaca são sempre deixados de lado. Quando finalmente a associação consegue trazer uma ação social tão bonita e importante para a comunidade, a prefeitura simplesmente não tem coragem de autorizar”, afirmou um morador que preferiu não se identificar.
O sentimento predominante é de frustração e descrença: eventos culturais e programas voltados para crianças e jovens raramente chegam a essas localidades, e a negação do espaço público reforça a percepção de marginalização.
O que está em jogo
O cancelamento do festival é mais do que o fim de uma programação cultural: é um sintoma das disputas políticas que interferem diretamente no acesso à cultura e ao lazer nas periferias. Resta à população cobrar explicações e às autoridades responderem publicamente se decisões administrativas foram, de fato, motivadas por pressões políticas.